
tema
“No momento em que a cidade – o corpo urbano – é experimentada, esta também se inscreve como ação perceptiva e, dessa forma, sobrevive no corpo de quem a pratica”
(Paola Berenstein Jacques & Fabiana Dultra Britto)
Corpos transitam pela cidade. Corpos utilizam-se das arquiteturas. Os mesmos corpos constituem a experiência urbana. Arquitetura, corpo e cidade coexistem e relacionam-se cotidianamente. Cabe, assim, uma indagação essencial: quais seriam as práticas urbanas traduzidas pela experiência corporal da cidade? Com esta indagação em mente, ressalto outra questão mais pontual e nevrálgica para a configuração dos lugares: como uma arquitetura pode catalizar a existência do corpo nas práticas urbanas?
Em nossa formação em arquitetura e urbanismo poucas são as oportunidades de compreender a experiência corporal como possibildade de entendimento do lugar. Relegamos o corpo à esfera da subjetividade e, embalados por um discurso dominante, projetamos por e para imagens espetacularizadoras da cidade, afastando o olhar das práticas ordinárias, dos tempos lentos, dos espaços opacos, das errâncias e derivas urbanas.
Nessa reflexão, surge a oportunidade de tentar realizar em P7 uma síntese na sequência de ateliês do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC trazendo a temática acerca da Arquitetura, corpo e cidade objetivando entender outros lugares de fala sobre a prática do/a arquieto/a e urbanista. A cidade vivida, não espetacularizada e resitente a um processo de dominação, sobrevivente no corpo de quem a experimenta, torna-se um laboratório vivo para experimentos arquitetônicos e urbanos. Neste laboratório surgem, a partir dos estudos de Paola Berenstein Jacques e Fabiana Dultra Britto, as corpografias urbanas – cartografias da vida urbana inscritas no corpo do habitante revelando ou denunciando aquilo que o projeto urbano excluiu. Por corpografia urbana, entende-se, ainda, o processo de inscrição da experiência urbana em diversas escalas de temporalidade tanto no corpo daquele que experiencia a cidade quanto num desenho outro (por vezes invisível) da própria cidade.
Vê-se, assim, um discurso contra hegemônico, trazendo a possibilidade de encarar a cidade como extensão do corpo de quem a habita, entendendo processos urbanos contemporâneos que olham com mais profundidade a apropriação do espaço urbano a qual está, a princípio, fora do controle urbanístico por não ter sido pensada tampouco planejada por arquitetos/as e urbanistas.
área/laboratório de estudos
Temos, então, um desafio à trajetória na formação do/a futuro/a arquiteto/a e urbanista baseando-se num marco teórico e projetual de resistência à espetacularização urbana. Para tal ação, delimita-se como área/laboratório de estudos para o ateliê de P7, o espaço urbano que contém inscrito em suas diversas temporalidades uma memória-água a qual encontra-se nas arquiteturas, nos espaços praticados, nos corpos que por ali transitam independentemente de suas idades. A região de estudos possui como limites duas áreas expressivas da cidade de Florianópolis: a cabeceira insular da Ponte Hercílio Luz e o Hospital de Caridade.
Vê-se, assim, um discurso contra hegemônico, trazendo a possibilidade de encarar a cidade como extensão do corpo de quem a habita, entendendo processos urbanos contemporâneos que olham com mais profundidade a apropriação do espaço urbano a qual está, a princípio, fora do controle urbanístico por não ter sido pensada tampouco planejada por arquitetos/as e urbanistas.
A área possui um contexto urbano rico em potências de corpografias e tecidos sócio-temporais expressivos, mas é também alvo de uma série de transformações urbanas espetacularizadoras da cidade de Florianópolis, contribuindo para uma gentrificação do centro histórico da cidade. Mas, em contrapartida, reparam-se resistências no mesmo espaço. Práticas insurgentes que fogem aos desenhos impostos, táticas de ocupação de um espaço já inscrito em corpos e de corpos já inscritos em um espaço.
Recorte espaço-tempo: a proposição de um Espaço-Arte
A partir das vivências corporais das experiências urbanas na área/laboratório de estudos faz-se um recorte espaço-tempo para aprofundamentos e experimentações num exercício de projeto arquitetônico e a cidade lida pelo corpo. Para tanto, o recorte dá-se na Escadaria do Rosário e seu entorno tanto material quanto histórico-corporal-cultural. Neste lugar expressivo de resistências aos discursos dominantes presentes na cidade de Florianópolis – sobretudo na área/laboratório de estudos de P7 – deverá ser proposto um Espaço-Arte que possa articular as diversas práticas artísticas e culturais cartografadas durante a exploração pelo corpo dos/as estudantes da área/laboratório de estudos. A Escadaria do Rosário e seu entorno será um território de experimentação projetual trazendo à tona uma pesquisa de arquitetura e urbanismo mais incorporado com base em corpografias estudadas e vivenciadas em cada momento do ateliê de P7.
Haverá uma autonomia do/a estudante na exploração do recorte espaço-tempo no que se refere ao processo criativo/projetual. A premissa aqui é tensionar com a arte e suas diferentes linguagens expressivas (dança, cênicas, música, visuais, cinema, entre outras) a ocupação da cidade pelos diversos corpos de seus habitantes. Logo, o processo dessa exploração da Escadaria do Rosário como recorte espaço-tempo pode culminar em ações expressivas de arquitetura junto à escadaria articulando rua, terrenos vazios, patrimônio histórico, etc., tendo como fio condutor dessas ações a configuração de um espaço que acolha a arte como construtora de dissensos na cidade contemporânea.
atividades desenvolvidas
A galeria de fotos Ações na cidade mostra proposições realizadas na área de estudos e no link abaixo de cada foto o acesso ao trabalho em pdf.
O canal de vídeos In(ter)venções urbanas e micro-resistências mostra ações efêmeras na cidade propondo outras experiências sensíveis perturbando a imagem tranquilizadora e pacificadora do espaço público espetacularizado.
Ações na cidade
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metodologia do ateliê
Aulas teóricas, leituras de textos e exercícios práticos experimentais em ateliê e na cidade com tema e metodologia próprios buscando atingir resultados diferenciados em cada um deles. A dinâmica de todo o ateliê de P7 será laboratorial e experimental, ou seja, as atividades serão de cunho performativo em dois lugares caros ao/à arquiteto/a: o ateliê e a cidade. Assim, haverá três blocos que nortearão as atividades, os quais não seguem uma ordem cronológica, mas sim diluem-se entre si, rompendo com sequências fixas de pensamento e ação. Junto aos blocos serão experimentados dispositivos e exercícios que articularão estudos e pesquisas desenvolvidas no ateliê de P7.
BLOCOS CONDUTORES DO ATELIÊ
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Bloco : PENSAR a cidade
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Bloco : SENTIR a cidade
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Bloco: AGIR na cidade
DISPOSITIVOS E EXERCÍCIOS ARTICULADORES DO ATELIÊ AO LONGO DO SEMESTRE
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Estudo e discussão de texto
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Laboratórios Experimentais
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Montagem urbana e micro-resistência: a arte e a arquitetura como construtoras de dissensos
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Projeto arquitetônico e a cidade lida pelo corpo: a proposição de um Espaço-Arte
Clique em cada foto abaixo para se aprofundar e ter acesso as textos que serão estudados bem como alguns materiais de apoio para desenvolvimento das atividades de ateliê.
bibliografia
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